Fonte: Embrapa
Um simulador de produção empregado na Austrália foi parametrizado pelo pesquisador da Embrapa Inácio de Barros para uso no desenvolvimento de sistemas de cultivo da cana-de-açúcar no Nordeste brasileiro. Trata-se do APSIM, acrônimo para Agricultural Production Systems sIMulator (simulador de sistemas de produção agrícola), que foi validado pelo especialista para uso no País.
Por meio da ferramenta, é possível simular sistemas de produção de diversas culturas agrícolas, analisar e prever o seu desenvolvimento, produção, demanda por insumos, impactos no meio ambiente e obter centenas de informações que o pesquisador e o produtor necessitam para tomada de decisões de manejo da cultura e administração da propriedade com maior segurança.
O cientista determinou, por exemplo, o manejo mais adequado para reduzir o volume de água usado na lavoura de cana, diminuir perdas de fertilizantes e obter o máximo rendimento, com recomendações valiosas, como por exemplo, a melhor época para o plantio ou o ajuste da adubação em função do manejo da palhada.
As simulações foram feitas para as condições da região dos Tabuleiros Costeiros do Nordeste (veja o quadro no fim da matéria).
No ritmo das novas descobertas
Em contínuo desenvolvimento, cada versão do APSIM incorpora novos recursos para mantê-lo atualizado com o desenvolvimento científico em ciências agrárias. Esse simulador é internacionalmente reconhecido e opera por meio de um conjunto de módulos que permite a simulação de sistemas em uma ampla gama de interações entre plantas, solo, clima e práticas de manejo da cultura.
Economia de tempo e dinheiro
O simulador apresenta em poucos minutos resultados que levariam anos para serem obtidos por meio de experimentações de campo com alto custo e muita mão de obra. É possível avaliar, por exemplo, se uma cultivar terá sucesso em uma determinada região, qual a melhor época de plantio, qual a necessidade de nutrientes e água, quais os impactos ambientais que diferentes fertilizantes provocarão, entre outras opções.
“O desenvolvimento e manutenção da ferramenta são sustentados por rigorosos padrões científicos e de engenharia de software”, afirma o pesquisador Inácio de Barros, da Embrapa Gado de Leite (MG), que atuou como cientista visitante na cidade de Brisbane, Austrália, no Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation (CSIRO), agência federal independente australiana responsável por pesquisas científicas e tecnológicas.
Em sua atuação na instituição da Oceania, Barros gerou recomendações de manejo da cana-de-açúcar para os Tabuleiros Costeiros do Nordeste brasileiro com o APSIM, visando uma produção com maior eficiência no uso de insumos e recursos naturais, chamada de ecoeficiente.
“No projeto que realizamos na Austrália, utilizamos resultados de pesquisas da Embrapa Tabuleiros Costeiros e bases de informações sobre a região de interesse, no caso os Tabuleiros Costeiros de Alagoas, para ‘parametrizar’ o modelo, ou seja, informar ao simulador as características de solo, clima e dados da cultura de modo a criar o ambiente de simulação como uma réplica virtual do ambiente real”, explica o cientista.
Barros acrescenta que, para validar o modelo, foi preciso checar por meio de métodos estatísticos se ele reproduziria de forma fidedigna as observações de campo. “Inicialmente, os resultados de experimentos de campo foram comparados com aqueles obtidos em simulações que reproduziam virtualmente o manejo e as condições do ambiente de produção. Com o modelo já adequadamente parametrizado e validado, testamos centenas de combinações de práticas de manejo por simulação e avaliamos aquelas que apresentaram maior eficiência tanto produtiva quanto ambiental”, conta.
Mantido por um grupo
O simulador APSIM é desenvolvido e mantido por uma joint venture formada por vários centros de pesquisas e universidades da Austrália e Nova Zelândia. Além do CSIRO, participam do consórcio a Universidade de Queensland (UQ), o Departamento de Agricultura e Pesca do Estado de Queensland (DAF), a Universidade de Southern Queensland (USQ) e a AgResearch Limited, da Nova Zelândia.
Resultados rápidos com baixo custo
“Ao combinar os resultados de experimentações de campo com o grande poder analítico dos modelos de simulação, tem-se em mãos uma alternativa rápida, de baixo custo e com menor demanda de mão de obra, permitindo avaliar os efeitos das práticas agrícolas no desempenho produtivo e ambiental do sistema de produção”, complementa.
Entre os resultados do trabalho, foram obtidas as melhores épocas de plantio, o tipo de colheita, as taxas máximas de remoção dos resíduos, o manejo do pousio com leguminosa na renovação dos canaviais e doses de nitrogênio variáveis em função do ciclo da cultura, do nível de remoção da palhada e do uso da adubação verde (veja quadro abaixo). Vários resultados e recomendações para a cana cultivada com irrigação ou em sequeiro podem ser obtidos em um Boletim de Pesquisa e em dois Comunicados Técnicos já publicados, os de número 216/2018 e 217/2018.
Menos água no sistema
Foi possível estabelecer os manejos que combinam uma maximização da produção de colmos e de etanol com uma menor demanda de água para irrigação e maior eficiência no uso da água e do nitrogênio. O ajuste da adubação nitrogenada em função da taxa de remoção de resíduos e o cultivo de leguminosas na renovação dos canaviais, por exemplo, promovem menores perdas ambientais de nitrogênio por lixiviação e a conservação do estoque de carbônico orgânico do solo, favorecendo, dessa forma, uma produção ecoeficiente de cana-de-açúcar.
Os resultados do APSIM para a cana
As recomendações a seguir foram estabelecidas com base nas simulações de longo prazo (dez safras) com o APSIM para o solo e clima da região dos Tabuleiros Costeiros de Alagoas.
Cultivo da cana-de-açúcar irrigada:
plantio nos meses de novembro a dezembro; colheita mecânica da cana crua; remoção de, no máximo, 50 dos resíduos culturais para a produção de etanol de segunda geração; aplicação de 80 a 120 kg de nitrogênio por hectare/ano quando a remoção da palhada for de até 25 ; se a palhada removida superar os 25 , a aplicação de nitrogênio dever ser aumentada para 120 a 160 kg por hectare.
Cultivo da cana-de-açúcar em sequeiro
plantio no mês de agosto; uso de pousio com mucuna-verde plantada quatro meses antes e incorporada ao solo por ocasião da renovação dos canaviais; sem a aplicação de adubação nitrogenada no plantio/reforma do canavial; aplicação de 80 kg de nitrogênio por hectare em cobertura nas soqueiras caso não haja remoção da palhada; não remover mais do que 25 da palhada para não comprometer o estoque de carbono orgânico do solo; elevar a adubação nitrogenada de cobertura na soqueira para 120 kg por hectare caso haja remoção da palhada, até o limite de 25 ; evitar a queima da cana para colheita.
As recomendações visam ao aumento da eficiência no uso dos recursos do solo, da adubação nitrogenada e da água, de modo a melhorar a eficiência do sistema de produção e reduzir os impactos ambientais negativos.
Perspectivas
“A partir desse trabalho, que demonstra o grande potencial da modelagem e simulação para o desenvolvimento de sistemas de produção com foco na intensificação sustentável da agricultura, pode-se vislumbrar uma ampla gama de aplicações nas pesquisas da Embrapa”, prevê o cientista. Ele conta que, devidamente ajustado, o simulador poderá ser utilizado para avaliações de práticas de manejo em diversas outras culturas e em testes e recomendações de sistemas de cultivo para condições específicas de solo e clima nos diversos biomas brasileiros. A ferramenta também poderá dar suporte ao zoneamento agroecológico das culturas agrícolas e a programas de melhoramento genético e seleção de variedades, por permitir uma análise ex-ante da interação genótipo-ambiente.
Cana-de-açúcar no mundo
A cana-de-açúcar é uma das culturas agrícolas mais importantes do mundo e, nas regiões onde é cultivada, geralmente se destaca como fonte de emprego e renda no meio rural. Apesar de ser plantada em mais de 100 países, cerca de 80 de toda produção mundial se concentra em apenas dez deles e o Brasil, sozinho, produz 38,5 do total.
No Nordeste brasileiro, a cultura concentra-se principalmente próximo à costa, nos Tabuleiros Costeiros, em solos de fertilidade baixa e que apresentam uma camada compactada em subsuperfície, o que impede o aprofundamento das raízes, afetando a produtividade, principalmente em anos mais secos.
Em virtude disso, a produtividade da cana no Nordeste é de 52 toneladas por hectare, 30 inferior à média nacional, de 73 toneladas/ha.
“Portanto, existe ampla margem de ganhos de produtividade a serem obtidos por meio de uma gestão racional dos recursos naturais e dos insumos mobilizados para a produção de cana-de açúcar visando a intensificação sustentável da agricultura na região”, afirma o pesquisador Inácio de Barros.
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